O clássico das
multidões hoje completa 99 anos. 7 de Julho de 1912, no Estádio das
Laranjeiras, Flamengo e Fluminense se enfrentavam pela 1ª vez. O jogo já foi
uma pequena amostra de como seria a história do confronto para sempre. Como
domingo é dia do derby, falo um pouco do jogo que é considerado pela FIFA o 3°
maior clássico, perdendo apenas para Boca Juniors x River Plate em 1° e Celtic
x Rangers em 2°.
Fluminense
3 x 2 Flamengo
Time: Baena,
Píndaro, Nery, Cintra, Gilberto, Galo, Baiano, Arnaldo, Borgeth, Gustavo e
Amarante
Gols:
Arnaldo e Píndaro
O Fla x Flu possui
jogos inesquecíveis e é fonte de inspiração para poetas, cronistas e cantores. Possui o recorde mundial em partidas entre clubes: 194.603
pessoas, na final do Carioca de 63,
vencido pelo Flamengo em empate sem gols.
O
termo Fla x Flu surgiu em 25, quando a seleção carioca foi chamada às
pressas para o Brasileiro de Seleções Estaduais. Dada a dificuldade
de reunir todos os clubes, foram convocados só jogadores da dupla Fla e Flu. A atitude
gerou repúdio e os amantes do futebol chamaram o time de combinado Fla-Flu. O
time foi campeão, o que mudou o sentimento para com ele. Assim, Mário Filho, o
jornalista que daria nome ao Maracanã, usou o nome em uma espécie de slogan
quando tentou motivar o comparecimento das torcidas a jogos em 33.
Depois de umas curiosidade do jogo que me lembro do Zico falando uma vez no Esportevisão: "Você nunca pode entrar em um Fla x Flu achando que o outro é favorito." Transcrevo agora, vários textos de alguns que ousaram descrever em linhas o que é o Fla x Flu.
-Armando
Nogueira (Coluna de abril de 2003 no Jornal do Brasil)
Os 300 da Gávea
Nunca expulse dois flamenguistas num jogo só. É
muito pior para o adversário. Aconteceu no Fla-Flu, e já tinha acontecido com o
Corinthians. Quando os dois vermelhos foram erguidos, a torcida tricolor vibrou
e comemorou. Ilusão. Era melhor ter jogado de igual para igual. Não só porque
são raros os times brasileiros que aproveitam vantagem numérica, nem treinam
isso em coletivos, mas principalmente por causa do Flamengo. A inferioridade em
campo cavucou a própria história e mística do clube. Como se os jogadores
falassem por dentro: “Agora é melhor! Agora vai ser com raça!”. Redatores dos
jornais já preparavam as manchetes gastas: VITÓRIA COM A CARA DO FLAMENGO. No
Maracanã, o resultado épico já se desenhava. O Fluminense em nenhum momento
demonstrou inteligência para destroçar os 300 de Esparta. Atuou como se atua
contra 11 jogadores. E talvez não tenha sido incompetência do time das
Laranjeiras. E sim mérito dos tresloucados rubro-negros, que começaram a se
jogar em cima da bola, nos adversários, para catimbar, para suar, para
justificar o amor daquela torcida também delirante, que cantava sem parar
incentivando seus queridos guerreiros. Renato Gaúcho devia ter mandado dois
jogadores seus provocarem a própria expulsão. Contra o Flamengo, de igual para
igual é sempre melhor. Para não despertar a fera. E a história do clube mais
popular do país.
– Retirado da crônica do Sidney
Garambone (Fla 1 x 0 Flu 1° turno
do brasileirão 2007, gol do argentino Maxi)
"Enorme, esmagador, capaz de transformar em carnaval um
espetáculo de futebol, o Maracanã já é uma lenda. A realidade contudo, é muito
maior. A memória que em mim, ficará para sempre do Fla-Flu e, mais, do próprio
futebol brasileiro, será desta enorme, pungente, feliz experiência
humana".
–
Retirado do Jornal do Brasil após a decisão do carioca de 69, as palavras são
do escocês Hugh McIlvanney, correspondente do The Observer
“No
dia da inauguração do paraíso, houve um Fla x flu de portões abertos, e
escorria gente pelas paredes” – Nelson Rodrigues
“Reacionário,
no meu caso, é a reação contra tudo o que não presta. Se o homem não fosse
eterno, ou não tivesse uma alma eterna, não tivesse garantido a sua eternidade,
esse homem andaria de quatro. Toda manhã sairia de quatro, ferrado, aí pelas
ruas e montado num Dragão de Pedro Américo. Eu diria, quando me perguntam, como
você agora: mas quando, quando começou o Fla-Flu? Eu diria: – O Fla-Flu não tem
começo. O Fla-Flu não tem fim. O Fla-Flu começou quarenta minutos antes do
nada. E aí então as multidões despertaram. E Mário Filho, já então, antes do
Paraíso, escrevia sobre o Fla-Flu e dizia que o Fla-Flu ia ser o assombro do
futebol, o milagre do futebol.” – Nelson Rodrigues
"Meu personagem da semana não é um jogador: meu
personagem é um jogo. Mais que um jogo, é uma entidade do futebol. Uma entidade
chamada Fla-Flu, essa bela sigla com timbre de verso que os tempos já
converteram em lenda. Domingo, foi tarde de Fla-Flu, no Maracanã. E, pra que se
cumpra, mais uma vez, a tradição da alternância no altar do triunfo, agora, foi
a vez do Flamengo. Vi a partida e posso dizer a quem não viu que a vitória do
Flamengo foi realmente arrasadora. Tão arrasadora quanto a do Fluminense, em
jogo recente. Sempre foi assim e sempre assim será. Uma lá, outra cá. Porque o
Fla-Flu não é uma simples partida entre duas equipes, entre dois clubes, entre
duas torcidas. O Fla-Flu tem camisa própria. Tem desígnios que são só seus. O
Fla-Flu tem torcida própria. Tanto é verdade que, outro dia, conheci uma moça,
numa roda em que se falava de futebol. Perguntei-lhe, amavelmente: por qual
você torce? E a moça me respondeu, candidamente: Eu torço pelo Fla-Flu. Só uma
coisa explica esta moça: é a encantadora química do Fla-Flu". – Nelson Rodrigues
O
Fla-Flu, já me dizia o meu irmão Mário Filho, o Fla-Flu é um jogo para sempre,
não é um jogo para um século, um século é muito pouco para a sede e a fome do
Fla-Flu… Começado o Fla-Flu, ele percorreria o tempo dos tempos. Foi uma
criação do meu irmão Mário Filho, ele que era o gênio da crônica esportiva, ele
era o autor de piadas fantásticas. Ele se lembrou de fazer Fla-Flu, tinha
notado que Fla-Flu possuía uma flama, uma trepidação que nenhum outro jogo
possuía. Até hoje em todo o mundo não há um jogo que chegue aos pés do Fla-Flu.
Que é cada vez mais empolgante. E cada jogo entre o Fluminense e o Flamengo
parece ser o maior do século e será assim eternamente.” – Nelson Rodrigues
Uma
goleada no FLA x FLU 1945
O juiz Fioravante
D'Angelo entre os capitães Jaime e Pedro Amorim.
Foi mais um
Flamengo e Fluminense na história do tradicional clássico carioca. Pelo Torneio
Municipal carioca de 1945, em São Januário, o Flamengo aplicou uma tremenda
goleada no Fluminense: 7x0. No primeiro tempo, os rubros negros já venciam por
1x0, gol de Pirilo. No segundo tempo o clube da Gávea veio arrasador – Pirilo.
Adilson. Tião. Tião. Pirilo e Pirilo foram os artilheiros.
Foi um clássico
tecnicamente fraco. Não foi compensado pelo entusiasmo dos contendores, da
submissão dos tricolores e com a frieza que os rubros negros agiram diante da
sua superioridade. E como o Flamengo agiu menos mal, alcançou uma vitória
merecida por uma contagem inédita na história do Fla-Flu.
O juiz foi
Fioravante D’Angelo.
O Flamengo goleou
com Luis Borracha. Newton e Quirino. Biguá. Bria e Jaime. Adilson. Zizinho.
Pirilo. Tião e Jarbas.
O Fluminense
perdeu com Batataes. Hélvio e Haroldo. Afonsinho. Pascoal e Bigode. Pedro
Amorim. Simões. Geraldindo. Nadinho e Murilinho
Esporte Ilustrado de 1945 (notícia da nossa maior goleada em cima do Fluminense)
Dois flamenguistas extremamente conhecidos da torcida eram tricolores.
Ary Barroso e Jayme de Carvalho:
“Como adorava esportes, não perdia
um jogo de futebol. Apesar de praticar remo.
Era Fluminense.
Certo dia foi ao estádio das
Laranjeiras, na esperança de assistir ao treino. Foi barrado. Ele era mulato e
era pobre. Não podia entrar no Fluminense. Naquela época, no Fuminense, quem
morasse em Vila e fosse escuro, não entrava. Nem jogador! O Fluminense era o
clube da elite. Da alta sociedade.
Jayme sentiu-se humilhado. Era
orgulhoso.
O Flamengo treinava ali pertinho,
no Campo do Paissandu, à vista do povo.
Jayme foi pra lá e apaixonou-se.
Virou Mengão.
Foi assim também com outro lendário
flamenguista, o compositor, radialista e locutor esportivo Ary Barroso. Ary era
tricolor. Uma vez o Fluminense perdeu e ele chorou de tristeza.
Quando passou na porta do clube,
havia uma grande festa. Festa de gala, com música, vestido longo e tudo mais.
Ary não se conformou. Enquanto ele, torcedor apaixonado, chorava a derrota do
time, o clbe festejava não sei o quê.
Mudou de time. Virou Flamengo.”
Trecho do livro “Acima
de Tudo Rubro-Negro”, de Cláudio Cruz e Wilson Aquino
E pensar que um
desses tricolores foi fundador da primeira torcida organizada do Flamengo em
1942. O outro rendeu uma história e tanto:
"Nenhum convite de Hollywood, portanto, impediria Ary
Barroso de acompanhar a campanha do Flamengo em 1944 (...) Os brasileiros que o
acompanhavam nos EUA ficaram impressionados com a sua reação a um convite
formulado PESSOALMENTE por Walt Disney para que assumisse a direção musical da
Disney Produtions (...) Ary pediu 24h para dar a resposta - um incisivo não.
"Why?", perguntou espantado Disney. E Ary respondeu naquele seu
inglês incorreto: "BECAUSE "DON´T HAVE" FLAMENGO HERE."
Trecho
do livro "No tempo de Ary Barroso", de Sérgio Cabral
Texto de torcedor sobre o Fla
4 x 3 Flu pelo carioca de 2004
Foi dose. Nós fomos até lá. Estávamos lá
dentro, naquele calor infernal. Ontem o meu filho Daniel começou a descobrir
que existem duas coisas nesse mundo. Uma, é o futebol. A outra, é o Fla-Flu.
Descobriu que esse adversário odiado é mais do que um simples time de futebol.
É um time de futebol seguido por uma horda de loucos fanáticos, que se agrupam
e fazem gol. Entram em campo e fazem gol. Fazem o segundo, o do empate e o da
virada.
Numa única tacada ele descobriu o medo e o
respeito que se deve ter dessa instituição e desse jogo, clássico de apelido
garboso, colorido interminável e lotado de almas fanáticas. É coisa para gente
grande. É jogo para quem tem o coração tingido dessas cores. De grená, verde,
preto, vermelho e do branco que acompanha esse arco-íris. O ar que se respira
no estádio é diferente, a atmosfera é diferente. Tudo muda quando você chega na
Praça da Bandeira ou cruza a Zona da Leopoldina em direção àquela maçaroca de
concreto. Um aglomerado velho e obsoleto, sem conforto ou segurança. Mas que
vicia. Nos deixa dependentes dele e de seus mistérios e dogmas. É. O Maracanã
tem dogmas. E não são poucos. São sérios o suficiente para fazerem de seus
jogos eternos eventos com ares de seita. Com rituais próprios, cânticos
específicos, liturgia. E consagração. Lá a gente aprende desde cedo que o jogo
só termina quando acaba (it is not over until it is over, dizia o astro do
baseball, Yogi Berra). E eu andava meio esquecido disso. Logo na chegada,
quando descíamos o Oduvaldo Cozzi a pé, com o calor escorchante se despregando
do asfalto, eu senti a atmosfera oblíqua.
Olhei pelo viaduto abaixo, me desviando de
cambistas e flanelas, e enxerguei o capitão Belini erguendo a taça. Sempre
cercado pelo burburinho da esperança. A meia hora do pontapé inicial, cada um
nós se aproxima do portão com esperança saltando pelos poros. O menino de sete
anos beijava o seu cordão sagrado, com a camisinha tricolor dependurada num
barbante preto sebento. Olhávamos um tumulto nas bilheterias e a Raça Rubro
Negra chegando pelo lado da Radial Oeste. Gente por todos cantos. O gesto dos
punhos cerrados e cruzados ao alto e o prenúncio de arrastão. Esse é o grande
contraste dessa minha vida de pequeno burguês. Pequeno burguês até na escolha
do time de coração. Time que provoca engarrafamento no Rebouças, quando enche o
Mario Filho, e fila nos restaurantes da Zona Sul depois dos seus jogos.
É só nesse dia de Fla-Flu que eu enxergo o
contraste que existe entre as patricinhas sem sutiã da torcida tricolor e a
tropa de marginais guerreiros da Raça Rubro Negra e da Torcida Jovem. Um abismo
social. Do ambiente de clubinho direto para a vida-como-ela-é. Um pânico de
mais de trinta anos. A língua incha dentro da boca e o medo me surrupia a nesga
de esperança. A baixa-estima da elite quando se perde em meio ao nada. Ir a
esse clássico é estar perdido no meio do nada. Subir a rampa nos Fla-Flus é
sempre um constrangimento. Um exercício de mau gosto. Mudar de lado por ser
menos numeroso. Por ter sido invadido em priscas eras, quando tomaram nosso
lugar à força e nos mandaram para o lado direito das cabines de rádio. Explicar
para um menino o porquê de naquele dia - só naquele dia, em mais nenhum outro -
ter que virar para a esquerda, no sentido horário, é sempre uma pequena
revolta. Ter que ver o jogo sentando naquelas faixas de concreto que abrigam
bundas vascaínas é falta de higiene. Um desgosto que me acompanha desde
criança, quando fui rampa acima ver o meu primeiro Fla-Flu, em 1977 (1x1).
Ontem, os deuses desse jogo se alojaram
naquelas arquibancadas desde cedo. Pintaram e bordaram com as duas nações. Com
19 minutos do segundo tempo eu estava trepado na divisória entre as cadeiras
amarelas e as brancas (o módulo central, que mistura as duas torcidas), fazendo
o sinal de acabou com os braços, chamando um cara do outro lado de corno e
entoando o famoso "ela, ela, ela, silêncio na favela". Era o terceiro
gol do gigante Rodolfo. Doze minutos depois, a favela vinha abaixo com seus
gritos de guerra. E eu descia a rampa em ritmo acelerado, com um nó na
garganta, cumprimentava o grande Belini e entrava no primeiro táxi que vi pela
frente. O menino pedia para ficar. Se lembrava de um jogo com o Santos em que
saímos 1 minuto antes e o time cavou um empate fantasma aos 48 do segundo
tempo. Eu olhava fixo para a Avenida Maracanã de dentro daquele Santana velho.
O taxista insistia em dizer que achava o estádio muito perigoso e que não
gostava de futebol. Mas pedia detalhes do jogo e mantinha diálogo com a
frustração escancarada do meu pequeno Daniel. Eu nunca tive medo dessa trupe.
Nunca mesmo. Mas que é diferente, é. Os outros sempre foram fregueses. Sempre
foram engolidos. Mas esses não. Peguei os piores momentos da história desse
jogo, quando tínhamos que ir a campo ver Artur Antunes, Leovegildo, Leandro,
Tita & Cia. Chegamos a enfrentar isso aí com times absolutamente medíocres,
de zezés, galaxes e robertinhos. E eu nunca tive medo.
Mas sempre existiu uma coisa que me deixa
perambulando entre o mistério e o pânico. Aliás, não é "coisa" coisa
nenhuma. É metafísica. É o Sobrenatural de que tratava Nélson. É perturbante. É
aquela massa uniforme pulando do outro lado. 23 minutos, 1x3, e eles não
paravam de pular; ninguém saía do seu aperto; ninguém ia embora. Eles nunca vão
embora. Eles nunca arredam o pé. Eles não se sentam, não param de gritar. Eles
não sossegam. Me perseguem, me sufocam, me habitam os pesadelos e me causam
pânico. Quando eu olho para o outro lado é isso que eu sinto. Eles acreditam
mais do que os outros. Mais do que eu e todos os outros juntos. E disso, meus
caros, eu me borro de medo. Eles jogam com 12. E jogar com 12 deveria ser
proibido. Deixar Felipe andando de um lado para o outro, desfilando o seu
repertório de categoria e classe, foi uma imprudência. E o jogo foi um jogo
para a história. Dentro do táxi, uma frase de uma criança de sete anos ficou
estalada no meu tímpano: "papai, eu tenho nojo deles". Eu também
tenho. É só o que posso dizer hoje. Mas se não fossem eles essa mágica não
existiria.
Cláudio
Lambert (Tricolor)
Os Irmãos
Karamazov
Começo
aqui a minha grave função homérica. Minha memória é um chão todo juncado de
clássicos e peladas fenecidos. Antes, porém, de exumar os velhos jogos, preciso
explicar toda a minha dramática relação com o Fluminense. Sou Tricolor, sempre
fui Tricolor. Eu diria que já era Fluminense em vidas passadas, antes, muito
antes da presente encarnação. Vejo-me em Aldeia Campista, garoto de pé no chão
e calça furada. Teria quatro anos, se tanto. 1916. A Primeira Grande Guerra
ainda matava milhares, ainda matava milhões. E como então se promovia
mundialmente o bigode do Kaiser! Esse bigode era o grande assunto da
caricatura, em todos os idiomas.
Para
mim, moleque da rua Alegre havia uma relação nítida e taxativa entre a guerra e
o Fluminense. Seriamos campeões em 17, 18 e 19. Ainda hoje, meio século depois,
tenho a sensação de que a Grande Guerra trazia no ventre o tricampeonato
Tricolor. Vejamos o absurdo: a Grande Guerra seria apenas a paisagem, apenas o
fundo das nossas botinadas. Enquanto morria um mundo e começava outro, eu só
via o Fluminense.
Quem
ia ao futebol era Milton, o meu irmão mais velho. Acompanhava o Tricolor, com
uma obstinação de fanático. Quando ele cheguava, de noite, eu vinha correndo
perguntar:- "Quem ganhou". E ele, tostado pelo sol dos clássicos e
das peladas:- "O Fluminense!" Era o Fluminese, sempre Fluminense. Até
que, um dia, não foi o Fluminense.
Imagino
que o leitor esteja fazendo a impaciente pergunta:- "E o Flamengo?"
Hoje, o Rubro-Negro, por onde vai, arrasta multidões fanatizadas. Há quem morra
com o seu nome gravado no coração à ponta de canivete. Mas eu não falei no
Flamengo e explico:- O Flamengo nem sempre foi Flamengo.
Cada
brasileiro, vivo ou morto já foi Flamengo por um instante, por um dia. Vale a
pena voltar a 1911, ou 12, não sei. Como eu dizia, o Flamengo era ainda Fluminense.
Eu
disse que o Flamengo era ainda Fluminense e já retifico Antes do futebol, o
Rubro-Negro foi remo ou, melhor dizendo, foi "domingo de regatas".
Até
que, um dia, houve uma dissidência no Fluminense. Eu gostaria de saber que
gesto, ou palavra, ou ódio deflagrou a crise. Imagino bate-bocas homicidas. E
não sei quantos Tricolores saíram para fundar o Flamengo. Hoje, nos grandes
jogos, o Estádio Mário Filho é inundado pela multidão rubro negra. O Flamengo
tornou-se uma força da natureza e, repito, o Flamengo venta, chove, troveja,
relampeja. Eis o que eu pergunto: - Os gatos pingados que se reuniram, numa
salinha imaginavam as potencialidades que estavam liberando? Há um parentesco
óbvio entre o Fluminense e o Flamengo. E como este se gerou no ressentimento,
eu diria que os dois são os irmãos Karamazov do futebol brasileiro.
Nelson Rodrigues
Ah, O Primeiro Clássico
Eu estou imaginando o campo, as duas torcidas e os
times. Mas para visualizar a partida temos de inseri-la no velho Rio, o Rio
machadiano, o Rio que era uma abundante paisagem de gordas.
Na "belle époque", as mulheres iam para o
futebol como se fossem para uma recepção no Itamarati. E elas demaiavam, vejam
vocês, ainda tinham ataques. De vez em quando, faço a mim mesmo esta pergunta:
- "Há quanto tempo não vejo uma mulher com ataque?" Elas matam e se
matam, elas se atiram do sétimo andar, elas devoram um tubo de comprimidos. Mas
não têm ataques, nem desmaiam. Ah, naquele tempo era lindo "ser
histérica". E no futebol, quando entrava um gol, as mulheres desfaleciam,
pareciam morrer em estertores. Os homens achavam sublime.
O primeiro Fla-Flu não era Fla-Flu. Só muito mais
tarde é que Mário Filho inventou e promoveu a abreviação. O Flamengo fez tudo,
tudo para ganhar este primeiro jogo. Outro dia, conversei com um velho
torcedor, mais velho que o século. E ele, falando fino e baixinho (como uma
criança que baixa num tenda espírita), contou o que foi o nascimento do maior
clássico do futebol brasileiro. O Flamengo era o time campeão do Fluminense,
sem Oswaldo Gomes.
Parece que na partida o futebol era um detalhe
irrelevante ou mesmo nulo. Os dois times davam a sensação de que jogavam de
navalha na liga. E, no entanto, houve um cínico e deslavado milagre: - ninguém
saiu de maca, ninguém saiu de rabecão. Mas nunca se vira, em campo de futebol,
ferocidade tamanha. E o Fluminense venceu.
Vejam como, histórica e psicologicamente, esse
primeiro resultado seria decisivo. Se o FIamengo tivesse ganho, a rivalidade
morreria, ali, de estalo. Mas a vitória tricolor gravou-se na carne e na alma
flamengas.
E sempre que os dois se encontram, é como se o
fizessem pela primeira vez.
Nelson Rodrigues
Foto que dizem ser do primeiro Fla x Flu da história. Não ouso afirmar que é
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